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É possível aplicar o Código de Defesa do Consumidor nas relações jurídicas entre empresas?

Código de Defesa do Consumidor: finalidade

O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) é uma lei internacionalmente reconhecida por promover a proteção e defesa do consumidor. Através deste Código, visa-se estabelecer princípios básicos como proteção da vida, da saúde, da segurança e da educação relacionadas ao consumo.


Segundo Sergio Cavalieri Filho ensina que “a massificação da produção, do consumo e da contratação deixou o consumidor em desvantagem, pois, à medida que o fornecedor se fortaleceu técnica e economicamente, o consumidor teve o seu poder de escolha enfraquecido”. Constata-se que neste cenário se instalou, de fato, um acentuado desequilíbrio de forças entre produtores e distribuidores de um lado e consumidores de outro. O consumidor tornou-se vulnerável em face do fornecedor.


O objetivo do Código é a proteção da parte mais vulnerável na relação de consumo que, via de regra, concretiza-se na pessoa do consumidor. O Código se propõe a eliminar essa injusta desigualdade, restabelecendo o equilíbrio entre as partes nas relações de consumo.


Considerando a exposição de motivadores como a proteção integral do consumidor e a sua hipossuficiência técnica e econômica, parte-se do pressuposto de ser o consumidor pessoa física. Ou seja, tem-se, em mente apenas aquele consumidor, pessoa natural, que firma uma relação de consumo com uma grande empresa (pessoa jurídica), por exemplo.


Mas, será que consumidor é somente pessoa física?

Consumidor e Fornecedor: conceitos

O próprio Código de Defesa do Consumidor apresenta os conceitos de consumidor e fornecedor em seus artigos 2º e 3º, respectivamente:


Art. 2º. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.


Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.


Note-se que, de acordo com os conceitos trazidos pela Lei nº 8.078/90, ambos, seja consumidor ou fornecedor, podem ser pessoa física ou jurídica. Portanto, tanto pessoa física quanto jurídica pode ser posicionada como consumidor em uma relação jurídica de consumo. E o mesmo acontece com relação às pessoas físicas ou jurídicas que podem estar posicionadas como fornecedores em uma relação de consumo.


Assim, concluímos que o conceito de consumidor consolidado no artigo 2º, caput da Lei nº 8.078/90 nos remete à possibilidade de a pessoa jurídica também ser considerada consumidora.


E em qual ou quais condições poderá a pessoa jurídica ser considerada consumidora em uma relação jurídica de consumo?



Destinatário final: Teoria Finalista X Teoria Maximalista

Para identificarmos as condições nas quais poderá a pessoa jurídica ser considerada consumidora em uma relação de consumo, precisamos retomar o conceito de consumidor fornecido pelo artigo 2º da Lei nº 8.078/90.


Sabe-se que é consumidor a pessoa física ou jurídica que adquirir ou utilizar um produto ou serviço como destinatário final. O ponto nevrálgico desta indagação consiste, então, em definir, ou melhor, precisar e delimitar o conceito da expressão “destinatário final”.


Na interpretação daquele que pode ou não ser considerado consumidor, há duas Teorias que prevalecem, a Teoria Finalista ou Subjetivista e a Teoria Maximalista ou Objetivista.


A Teoria Finalista considera que a pessoa jurídica pode ser consumidora somente quando adquire bens ou contrata serviços sem fim lucrativo e sem qualquer ligação direta ou indireta com a sua atividade básica. Em outras palavras, é destinatário final, segundo a Teoria Finalista, a pessoa jurídica que adquire o bem ou serviço para si ou outrem utilizar de forma que satisfaça uma necessidade privada, não de seus clientes.


Enquanto que para a Teoria Maximalista considera-se que o uso profissional do bem ou serviço adquirido ou utilizado pela pessoa jurídica que exerce atividade econômica apenas afastará a existência de relação de consumo se tal bem ou serviço compor, diretamente (revenda) ou por transformação, beneficiamento ou montagem, o produto ou serviço a ser fornecido a terceiros, porquanto, em tais hipóteses, a destinação não será final, mas apenas intermediária.


O Código de Defesa do Consumidor brasileiro adotou, via de regra, a Teoria Finalista, considerando como consumidor apenas o destinatário final fático e econômico do bem ou serviço, seja este destinatário pessoa física ou jurídica.


Inclusive, nesse sentido, o ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça , reforçou esta posição em voto de sua lavra no qual explana que o conceito de consumidor foi concebido na legislação brasileira sob a ótica objetiva, ou seja, orientada para o ato de retirar o produto ou serviço do mercado, na condição de destinatário final. Com isso, o legislador possibilitou que até mesmo as pessoas jurídicas assumissem essa qualidade, desde que adquirissem ou utilizassem o produto ou serviço como destinatário final (REsp 1.536.786).


Dessa forma, uma empresa que adquire veículos para atender uma necessidade da própria pessoa jurídica (deslocamento de sócios e funcionários) é considerada destinatária final e, ainda que pessoa jurídica será tida como consumidora. De outro lado, contudo, se considerarmos que os veículos são utilizados na atividade-fim da empresa, como é o caso de um Centro de Formação de Condutores, a posição da pessoa jurídica não será tida como de consumidora em eventual demanda em face daquele que vendeu ou fabricou os carros, por exemplo. Neste último caso, os veículos adquiridos são utilizados para atender a uma necessidade dos clientes do referido Centro, a empresa obtém lucro a partir do seu uso.


O entendimento pacificado perante o Superior Tribunal de Justiça

Ademais, é importante complementar que o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça a respeito da posição da pessoa jurídica como consumidora foi mitigada.


A jurisprudência da Corte Superior evoluiu para uma aplicação temperada da teoria finalista frente às pessoas jurídicas, num processo que a doutrina vem denominando de finalismo mitigado ou aprofundado. A partir deste entendimento, admite-se que, em certas hipóteses, a pessoa jurídica adquirente de um produto ou serviço pode ser equiparada à condição de consumidora, por apresentar, frente ao fornecedor, alguma vulnerabilidade, que constitui o princípio-motor da política nacional das relações de consumo, premissa expressamente fixada no art. 4º, I, do Código de Defesa do Consumidor, que legitima toda a proteção conferida ao consumidor, como nos ensina Sergio Cavalieri Filho.


Quando aplicar o Código de Defesa do Consumidor nas relações jurídicas entre empresas

Em conclusão, é cediço que a partir do conceito de consumidor trazido pela Lei nº 8.078/90, a pessoa jurídica poderá ocupar a posição de consumidora em uma relação jurídica de consumo.


No entanto, e na valiosa lição de Sergio Cavalieri Filho, para que seja considerada consumidora é necessário que, primeiramente, ostente a mesma característica atribuída ao consumidor pessoa física, qual seja, a vulnerabilidade. E é imprescindível que os bens ou serviços adquiridos sejam de consumo e que esgotem a sua destinação econômica atendendo às demandas internas da pessoa jurídica.


Portanto, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor nas relações jurídicas de consumo entre empresas quando a pessoa jurídica ostente vulnerabilidade frente ao fornecedor e quando os bens ou serviços adquiridos sejam para consumo e utilização interna da empresa consumidora, suprindo uma necessidade privada e não de clientes.


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